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MEIO MÉDIO MEDIANO MESMO

Mediocre. De estar na média mesmo, nem acima nem abaixo, só ali no meio. Esse é o meu lugar. Se fosse uma profissão eu poderia me considerar excepcionalmente boa no cargo de estar na média. Toco violão? Sim. Bem? Na média. Sei ler cifra mas não toco Caetano, nem dedilhados, nem acordes que peguem quatro casas. Canto? Sim. Sei o que estou fazendo enquanto canto? Nem um pouquinho. Sei de história mas não o suficiente, me confundo nas datas e nos nomes. Arte? Amo, mas pede pra eu te falar o período, o contexto, o pretexto. Nada. Mitologia? Sei a história mas nunca lembro de quem é. Peças de teatro, se não for da Broadway faço uma vaga ideia apenas. Não, não me peça pra declarar nada, don't rain on my parade! Política. Chego no passo 1. Avança pro dois pra ver se te sigo (não). Livros? Pulei os clássicos. Filmes? Não sei quem dirigiu nada. Inglês? Leio mas não escrevo, entendo mas não falo. Francês? Merci beaucoup e adeus no Passé Composé. Não entendo de quilômetros,
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O destino.

Eles desceram do ônibus ao mesmo tempo e ela achou que era o destino. Já imaginou a vida toda.  Já imaginara a vida toda várias vezes e perdera a conta dos amores destinados. Braços que se esbarraram sem querer, guarda-chuvas compartilhados, encontros aleatórios. Vivia fingindo não esperar - disseram que o amor chega quando menos se espera - e olhava atentamente ao redor. O amor pode estar do seu lado. Traçou todas as rotas possíveis, fantasiou todos os finais de tarde, carros quebrados na chuva, ciladas que acabariam em risos. Viu sempre amor onde nem sempre havia. Forçou sempre um sorriso que ninguém retribuiu. Ficou - muitas vezes - quando deveria ter ido embora. Insistiu. Esperou. Sentia sempre um vazio que não se enchia nunca. Mas naquele dia eles desceram do ônibus ao mesmo tempo e ninguém desce assim, na mesma hora, se não for por destino. Lembrou de ter visto os olhos verdes dele antes do "você primeiro". É assim que nos filmes começam as histórias de amor. Aconte

O GURU DA LIVRARIA

Estava eu vagando pela Livraria Cultura com uma caderneta na mão. Cansada de andar sem rumo resolvi pagar e ir embora, então fui para a fila e estava lá esperando minha vez de pagar quando senti um toque no meu ombro. Um senhor grisalho vestido de branco me disse: - Vou passar na sua frente. Eu gentilmente consenti. Ele prosseguiu: - Vou passar na sua frente porque sou o autor deste livro - disse apontando para o livro que carregava. Eu, que não conhecia nem o livro nem o autor, apenas sorri e disse alguma coisa gentil que já não me lembro. Ele disse que havia recebido o prêmio Jabuti e fez mil perguntas sobre a minha carreira, sobre poesia e sobre minha vida. De repente ele resolveu que queria meu endereço para me enviar o livro. A história tava muito estranha e eu sou uma pessoa desconfiada por natureza, então tentei de todas as maneiras contornar a situação. Enquanto isso uma pequena multidão formava-se a nossa volta, alguns apenas vagando outros tentando entrar

O RATO MENOS CORAJOSO DE TODOS OS RATOS DO MUNDO

Era uma vez o rato menos corajoso de todos os ratos não corajosos que existem. Na disputa entre ele e uma lixeira, você provavelmente apostaria na lixeira te salvar, de tão sem coragem que o rato era. Mas se apostasse assim, perderia, pois acredite se quiser: o rato menos corajoso que existe acabou salvando o mundo. Seu nome era Allan. Você provavelmente conhece um rato, mas duvido que conheça um rato chamado Allan. Se conhece (me perdoe por ter duvidado de você), pergunte se ele salvou o mundo alguma vez, só para ter certeza. Porque é praticamente impossível que exista outro rato chamado Allan, já que esse nome não é nem um pouco popular entre os ratos. Bom, se você conhece um rato, ele se chama Allan e salvou o mundo, pode deixar essa história de lado porque não terá nada de novo por aqui. Agora se você só conhece ratos com outros nomes ou até conhece apenas outros bichos, do tipo cachorros, gatos e papagaios e tem interesse em saber como é que um rato sem coragem cons

O PULO

Já era tarde da noite quando o último guarda fechou com chave os portões do corredor. Ao fundo, no canto esquerdo, a respiração sobressaltada da cela 42 começava a irritar os demais. ‘Cale a boca, seu verme’, gritou um, ‘se for para morrer, que morra quieto’, disse outro. O silêncio foi chegando, as luzes se apagando uma a uma. No fim do ritual, as oito celas daquele corredor encontravam-se escuras e se via apenas a luz da lua – azul e prateada – iluminando o chão de pedra. O lugar todo era feito de pedra, com arcos redondos nas portas das celas, fugindo do aspecto reto e quadrado das outras prisões. Mais de uma vez o prisioneiro da cela 42 desejou que o punhado de pedra acima de sua cabeça desmoronasse sobre ele. Quando tudo se apagou houve ainda tosses, resmungos e cusparadas. Presos se ajeitavam, entregando-se sem resistir a mais uma noite de confinamento. Exceto um. Havia naquele momento alguém com a cabeça fervilhando, alguém que tramava algo, alguém que respirava pesado

A HORA DA GLÓRIA

          O silencio a acordou. Glória acostumara, com muito esforço, os ouvidos aquele zumbido constante de turbina e de repente não ouvia mais nada. O silêncio só significava uma coisa: aquela merda de avião estava caindo.      Um arrepio lhe subiu a espinha. Imediatamente viu surgir os óculos fundo de garrafa de Tia Hercília, com seus imensos olhos verdes cravados nos dela. Segurando firme a palma de sua mão direita, a velha dizia “sinto muito querida, você corre grande perigo”.     Glória tinha apenas oito anos, mas desse dia em diante viveu como se estivesse andando à beira de um abismo. Não adiantou a família explicar que Tia Hercília era paciente do hospital psiquiátrico Vera Cruz, nem que “essa coisa de ler o futuro” não passava de tolice. Nada tirava da cabeça dela a previsão da tia. Por isso até hoje, vinte anos depois, não havia feito nada que pudesse colocar voluntariamente sua vida em risco.     Mas aí veio o telefonema, o pedido urgente de uma visita à

CORAGEM E ESCOLHAS

Quando eu era pequena, via de regra brincava de ser adulta. Não me lembro nunca de em alguma brincadeira de criança ter me intitulado "a criança maravilha", "a super-criança" ou "a criança desbravadora que sobreviveu à uma floresta cheia de monstros assustadores". Nunca. Eu era a mulher maravilha, a super mulher, a mulher desbravadora. Se possível gostava de acrescentar o título de "a primeira" antes das conquistas, porque havia em mim um quê de coragem de ser a primeira das coisas. Coragem. Taí um tema que me perseguiu quando eu entrei na adolescência. É só olhar pra minha estante. Se fosse para separar meus livros em temas, caberiam todos nessa categoria. Eu sempre fui fã de gente corajosa. Que arrisca, que vai contra, que dá um passo adiante e paga para ver. A coragem sempre me perseguiu, mesmo quando lentamente me afastei dela. Com o tempo fiquei menos corajosa (ou mais preocupada) e deixei de ser a garota destemida para me tornar algu

CARTAS PARA UM JOVEM EU

Eu de 5 anos Continue brincando muito. Sério, pegue sua escova de cabelo e vá fingir que é microfone. Dica: a cortina do sofá é uma ótima entrada para o seu palco. Ah, continue fazendo peças imaginárias e inventando histórias. Um dia você vai querer fazer isso para viver. Eu de 6 anos Sim, ler é demais, eu sei! Continue levantando a mão para responder sempre que souber ler o que está escrito na lousa, mesmo que a professora peça pra você deixar outro aluno falar. Um dia essa história pode te ajudar em uma entrevista de emprego. Eu de 8 anos Parece que você vai morrer cada vez que ele entra no pátio, mas não vai, prometo. Aliás, boa tática essa de ser a única que não persegue ele no recreio, vai funcionar. Agora uma dica: você vai fazer uma coisa muito fria que vai deixá-lo muito chateado, mas eu sei que você não tem o coração gelado ok? Você só não sabia como era estar apaixonada. Fique tranquila, vai demorar mas vai ficar tudo bem. Eu de 10 anos Eu se